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Mato Grosso

MPE: comissão da AL fez gestão política para barrar licitação

Promotor de Justiça citou que relatório foi encomendado por sindicato contrário ao edital de concessão

O Ministério Público Estadual (MPE) afirmou que a Comissão Especial de Transporte da Assembleia Legislativa foi criada em razão de “gestão política” dos envolvidos em suposto esquema de fraudes em concessões do sistema intermunicipal de transporte do Estado.

 

A afirmação foi feita pelo promotor de Justiça Ezequiel Borges de Campos, que investiga o esquema objeto da Operação Rota Final, deflagrada na última semana pela Delegacia Fazendária.

 

A operação investiga empresários do segmento de transporte de passageiros que operam sem licitação no Estado, além de agentes públicos na Ager e na Sinfra, que atuavam de modo a atender os interesses do grupo de empresas, especialmente para barrar a licitação dos serviços, que engloba todo o Estado e é avaliada em R$ 11 bilhões. 

 

A Comissão Especial de Transporte, de caráter temporário, foi criada em setembro de 2015 sob a justificativa de fazer um diagnóstico e propor melhorias aos serviços de transporte de passageiros no Estado.

 

Um dos alvos da comissão era, em tese, a investigação das possíveis irregularidades praticadas pelo governo Silval Barbosa, durante a licitação do Transporte Intermunicipal de Passageiros – que só foi retomada na semana passada.

 

A omissão era presidida pelo deputado Pedro Satélite (PSD) e tinha como relator Dilmar Dal Bosco. Ambos são investigados na operação, sob a suspeita de terem atuado junto à Assembleia para garantir os interesses do grupo de empresas que atuam de forma precária.

 

Na mesma semana de criação da comissão, Satélite citou indícios de irregularidades na licitação e já se mostrou contrário à continuidade da mesma.

 

“Gestão política”

 

Para o promotor Ezequiel Borges, o verdadeiro intuito da comissão foi o de atender aos interesses das empresas, representadas pelo empresário Eder Pinheiro, da Verde Transportes, e pelo presidente do Sindicato das Empresas de Transporte Rodoviário e Passageiros do Estado de Mato Grosso (Setromat), Julio Cesar Sales Lima.

“A gestão política do grupo empresarial que busca, por todos os meios, impedir a conclusão da licitação resultou na criação de uma Comissão Especial de Transporte na Assembleia Legislativa que, ao final dos trabalhos, apresentou relatório conclusivo favorável à ‘anulação do processo licitatório’, apoiado, porém, em argumentos superados por decisões judiciais”.

 

O promotor disse que o relatório da comissão opinando pela anulação da licitação foi baseado em estudo encomendado pelo Setromat, sindicato que sempre se posicionou de forma contrária ao lançamento do edital.

 

“A recomendação dos integrantes dessa Comissão Especial para que a licitação fosse invalidade se sustenta, sem constrangimento algum, até mesmo em pareceres de juristas renomados e de um estudo técnico precário elaborado pela denominada EGL, que haviam sido contratados pelo Sindicato das Empresas de Transporte Rodoviário de Mato Grosso (Setromat), entidade que reúne a elite das forças contrárias ao certame”.

 

Outros indícios contra Dilmar e Satélite foram descobertos pelo MPE nas interceptações telefônicas captadas nos celulares dos investigados.

 

Em uma das conversas gravadas, em 2017, o então presidente da Agência de Regulação dos Serviços Públicos do Estado de Mato Grosso (Ager), Eduardo Moura, afirma que iria combinar com “Dilmar” algumas emendas legislativas.

 

Já em outro diálogo, o empresário Eder Pinheiro – considerado o líder do esquema - ofereceu seu avião e seus apartamentos (um em Miami) para o deputado estadual Pedro Satélite (PSD) usar caso quisesse.

 

“As vezes cê quer ir para aquele apartamento meu lá em Orlando, nos Estados Unidos”, sugere. “Eu vou, eu vou”, responde Satélite.

 

Para a Delegacia Fazendária, o diálogo mostra a relação íntima entre empresário e parlamentar.

 

“Sem sombra de dúvidas a intimidade existente entre Eder Pinheiro perante o deputado Pedro Inácio Wiegert - "Pedro Satélite" demonstrada pelo áudio supracitado [mostra] a existência de vínculo entre eles, corroborando com os fatos trazidos na denúncia que subsidiou a abertura do presente inquérito policial, na qual narra que empresários do ramo de transporte que atuavam ilegalmente contavam com a colaboração dos deputados estaduais Dilmar Dal Bosco e Pedro Satélite”, diz trecho do inquérito.

 

Veja fac-símile de trecho do documento:

 

print mpe diz que comissão fez gestão politica de empresarios

 

 

Deputados negam envolvimento 

 

Em nota, o deputado Dilmar Dal Bosco disse que sempre atuou de "forma republicana" no que tange à fiscalização sobre as concessões dos transportes.

 

Ele disse que foi relator da Comissão Especial dos Transportes da Assembleia Legislativa de Mato Grosso, criada para investigar  possíveis irregularidades praticadas pelo governo Silval Barbosa, durante a licitação do Transporte Intermunicipal de Passageiros, "existindo, inclusive, indícios de fraude na contratação da empresa responsável pelo estudo técnico".

 

"Na oportunidade constatamos que a empresa Fundação Ricardo Franco, contratada pelo governo Silval Barbosa com dispensa de licitação para formular o Plano de Outorga dos serviços que seriam licitados e o edital de licitação, como determinava  o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado com o Ministério Público Estadual no ano de 2007 visando à modernização do sistema de transportes coletivo de passageiros, foi feito com base em dados irreais", ou seja, informações que destoavam da realidade dos municípios mato-grossenses".

 

Dilmar disse que foram encontradas diversas inconsistências  nos estudos apresentados pela Fundação Ricardo Franco,  dentre as quais a  exclusão de 8 municípios do sistema de transporte  intermunicipal e  demanda de passageiros superestimadas nos anos de 2014/2015 que, segundo a Fundação,  seria em torno de 7,8 milhões de pessoas.

 

"Os dados da própria agência reguladora revelaram que de julho de 2014 a julho de 2015, foram transportados apenas 4,6 milhões de usuários. Esses apontamentos nos induziram a entender que o modelo que se apresentou não era  adequado para população, tampouco para o Poder Público. No sentido de corrigir essa discrepância apontada pela malfadada licitação é que trabalhamos para que o atual Governo pudesse resolver de forma definitiva o problema que já se arrasta por mais de uma década. Nunca atuei em benefício de qualquer empresa do setor privado mato-grossense, sendo a melhoria do transporte nosso único objetivo".  

 

"Assim sendo, deixo aqui o meu repúdio no sentido de que sempre atuei com lisura e de maneira republicana no que diz de interesse do Estado. Reafirmo aqui o meu compromisso com Mato Grosso e sua população, dizendo que sempre fui favorável a uma nova licitação dos transportes públicos, de maneira que possa trazer mais transparência no processo permitindo a ampla concorrência como prevê a lei, na busca por melhorias e dignidade do usuário do transporte coletivo, primando pela qualidade, preço justo e segurança da nossa população", afirmou.

 

O deputado Pedro Satélite, que presidiu a Comissão Especial de Transporte, também afirmou que recebeu "com estranheza" a notícia do envolvimento do seu nome na operação. 

 

"Durante os trabalhos da Comissão, ouvimos a AGER, várias entidades, empresários do setor, Ministério Público, entre outros. No relatório final ficou evidenciado que o modelo escolhido para MT na gestão do governo anterior, não trará vantagens aos usuários, devido as falhas apontadas em sua elaboração. Entre elas, a exclusão de 8 municípios do sistema de transporte de passageiros, bem como, uma superestimada demanda de 8 milhões de usuários por ano, sendo que a demanda atual é de 3,5 milhões".

 

Satélite disse que os mercados em operação atualmente não trouxeram as reduções tarifárias prometidas nos valores das passagens.

 

"Ratifico a minha posição favorável a necessária licitação no transporte público de passageiros de MT, mas reforço minha contrariedade ao modelo atual proposto conforme os apontamentos feitos pela comissão. Reitero que estou absolutamente tranquilo, e a disposição para eventuais esclarecimentos". 

 

A operação

 

Durante a operação, foram presos temporariamente o empresário Eder Pinheiro, da Verde Transportes, o presidente do Sindicato das Empresas de Transporte Rodoviário e Passageiros do Estado de Mato Grosso (Setromat), Julio Cesar Sales Lima, e os os funcionários de Eder na Verde Transportes: Max Willian de Barros Lima e Wagner Ávila do Nascimento. Todos foram posteriormente soltos.

 

De acordo com o Ministério Público Estadual (MPE), os membros da organização, usando agentes públicos lotados na Agência de Regulação dos Serviços Públicos do Estado de Mato Grosso (Ager), fizeram “verdadeira perseguição” à empresa Novo Horizonte, que venceu uma licitação para administrar 12 linhas de transporte no interior.

 

Para tal, segundo as investigações, eles teriam contado com a ajuda do então presidente da Ager, Eduardo Moura, e com o diretor regulador de Transportes e Rodovias da Autarquia, Luis Arnaldo Faria de Mello.

 

O grupo teria articulado para a Ager impor uma série de restrições administrativas e financeiras à Novo Horizonte, no intuito de forçar a empresa a desistir da concessão, beneficiando assim o grupo de empresas que administrava as linhas sem licitação.

 

Sob a liderança de Eder Pinheiro, segundo o MPE, a organização também teria agido para afastar outras empresas que iriam disputar a licitação principal dos transportes, orçada em R$ 11 bilhões.

 

A investigação apontou que o grupo ainda teria braços na Secretaria de Infraestrutura (secretário Marcelo Duarte) e na Assembleia Legislativa (deputados Dilmar Dal Bosco e Pedro Satélite), que agiriam no intuito de manter as concessões das linhas de forma precária aos “barões do transporte”.

 

A influência do grupo para barrar a licitação nos moldes legais, conforme a investigação, também foi demonstrada pelas delações do ex-governador Silval Barbosa e do ex-secretário da Casa Civil, Pedro Nadaf.

 

Eles afirmaram que o grupo de empresas pagou R$ 6 milhões de propina a Silval, em 2014, para que a licitação fosse barrada e fosse expedido um decreto para que as concessões das linhas, sem licitação, fosse renovada.

 

Página:

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