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Mato Grosso

Segurança cercam fazenda de Riva e Silval

Preocupados com a possível invasão e com medo de um confronto entre posseiros e seguranças, um grupo de pessoas denunciou a situação.

Quando o empresário Fozi José Jorge morreu em 2011, aos 83 anos, em São Paulo, a batalha judicial por 80 mil hectares em Colniza (1.065 Km ao norte de Cuiabá), referentes à Fazenda Bauru, não foi enterrada. A então esposa do falecido, Magali Pereira Leite, assumiu o comando de um processo de reintegração iniciado em 2004. Na época, um conflito fundiário era iminente e com o tempo ganhou corpo, adicionando como personagens da história o ex-governador de Mato Grosso, Silval Barbosa e o ex-deputado estadual José Riva. Em 2018, quem alerta para uma possível nova chacina no extremo norte do estado é o Ministério Público (MPE).

A Fazenda Bauru, como é nomeada, foi adquirida em 1982 pelo casal paulista. A área é desmembrada de uma propriedade maior, com 392 mil hectares, denominada Organizações de Terras Brasil Norte. O terreno logo foi tratado. Construção de cercas, duas sedes com casas residenciais e casas de funcionários, barracão, curral, açudes, estradas internas e até mesmo uma pista de pouso para pequenas aeronaves foram alguns dos trabalhos realizados. A licença garantia o direito de explorar 20% do solo. O restante se enquadra como área ambiental.

Após uma série de ocupações e liminares ao longo de 12 anos, em novembro de 2016 a 2ª Vara Cível de Cuiabá, especializada em conflitos fundiários, julgou o mérito do processo e determinou a reintegração de posse. Os trâmites burocráticos e de segurança atrasaram o cumprimento da decisão por mais alguns meses. Somente no final de 2017 saíram derrotados da área os membros da Associação dos Pequenos Produtores Rurais da Gleba Bauru Unidos Venceremos.

A associação, composta por nomes pouco expressivos, não sabia que batalhava judicialmente contra personagens de envergadura política. Posseiros avisaram aos policiais militares atuantes no primeiro dia de reintegração que continuariam lutando pela área.

Os donos

Em maio de 2017, após quase 2 anos de prisão por crimes de corrupção, o ex-governador de Mato Grosso, Silval Barbosa, delatou ao Ministério Público Federal (MPF), como parte de sua colaboração premiada, a negociação da Fazenda Bauru, ao preço de R$ 18,6 milhões.

Segundo o político, o ex-deputado estadual José Riva o contatou ainda em 2012 para firmar uma sociedade. A empresa Floresta Viva Exploração de Madeira e Terraplanagem, em nome de Janete Riva, esposa do ex-parlamentar, compraria 50% da área. A outra metade seria adquirida em nome de Eduardo Pacheco, primo e cunhado de Silval.

Ocorre que, conforme delação, Pacheco se arrependeu de emprestar o CPF (Cadastro de Pessoa Física) para a negociação. Ficou combinado que toda a terra seria adquirida em nome da empresa Floresta Viva. Silval Barbosa teria pago cerca de R$ 5,1 milhões, dinheiro proveniente de propina cobrada em incentivos fiscais para frigoríficos. José Riva teria empenhado o mesmo valor.

O problema, porém, surgiu quando os pagamentos cessaram. Riva sofreu seguidas prisões preventivas em operações contra o crime organizado em Mato Grosso. A primeira detenção ocorreu em 2014, durante deflagração da Operação Ararath, que desarticulou esquema de desvios milionários dos cofres públicos. Os débitos impediram que a Fazenda Bauru (propriedade) fosse transferida como negociado no início da transação.

Risco de chacina

Alheio ao contexto envolvendo políticos, o Ministério Público Estadual, por meio da Promotoria de Justiça de Colniza, encaminhou no dia 6 de setembro de 2018 ofício ao governo do Estado informando a possibilidade de um conflito na região, por disputa de terras, mais precisamente, por disputa da Fazenda Bauru.

O documento pede providências. De acordo com o MPE, está na iminência uma invasão de grupo armado. Ameaças se intensificaram. A preocupação é que ocorra novamente uma tragédia na região, assim como a registrada em abril de 2017, quando 9 trabalhadores rurais foram brutalmente assassinados no Distrito de Taquaruçu do Norte, localidade pertencente ao município de Colniza.

Preocupados com a possível invasão e com medo de um confronto entre posseiros e seguranças, um grupo de pessoas denunciou a situação. Conforme um dos declarantes, atualmente a fazenda conta com 10 seguranças armados, que nas últimas semanas vêm sofrendo ataques rotineiros, com disparos de armas de fogo.

Após colher os depoimentos, o promotor de Justiça de Colniza determinou a instauração de procedimento denominado Notícia de Fato. "Os elementos colhidos pelo termo de declaração, aliado aos áudios de WhatsApp encaminhados, bem como as demais informações de conhecimento deste Parquet, indicam que não deve a ameaça de invasão ser ignorada", destacou.

Dando sequência aos relatos, no dia 11 de setembro compareceram dois membros da Associação dos Pequenos Produtores Rurais da Gleba Bauru Unidos Venceremos. Um dos depoentes é o presidente do grupo, Derisvaldo Ferreira de Sá.

"Os declarantes afirmam que homens da escolta armada do Sr. Riva estão levando alguns homens armados sem serem da equipe [de segurança] para intimidar as pessoas da associação. O presidente [da associação] afirma que a escolta armada está realizando disparos de armas de fogo para intimidar trabalhadores da Gleba União", consta em termo de declaração conjunta.

Ainda segundo Derisvaldo, Riva está tentando lotear e vender a área. Por telefone, ao Gazeta Digital ele contou sobre ameaças. "Quem veio me dar recado foi puxa-saco do Riva, que disse que se eu não aceitasse a proposta do Riva [de comprar a terra] poderia sofrer um assalto ou um acidente e de uma hora para outra poderia morrer, eu acredito que foi a mando dele. Eu disse a quem me ameaçou para responderem ao Riva que ele pode trombar mas não vai trombar em tronco de imbaúba, vai trombar em troco de aroeira, arrisca bater e cair para trás", completou.

Outras membros da associação ouvidos pela reportagem afirmam que após a reintegração de posse, ocorrida em 2017, funcionários de Riva destruíram os barracões dos então moradores e uma escola de ensino fundamental feita para que 12 crianças residentes na fazenda pudessem estudar.

"Derrubaram tudo em pleno ano letivo, as crianças ficaram sem escola, os barracos que não foram queimados, foram quebrados", relatou a fonte que prefere não se identificar. "Muitas pessoas venderam tudo o que tinha para comprar um pedaço de terra lá na fazenda e agora estão aqui na cidade sem emprego, sem saúde, jogados às cobras", complementou.

Os membros da associação denunciam ainda que a estrada denominada Linha 4, que liga a Fazenda Bauru a Colniza, foi fechada pelos seguranças do ex-deputado. Quem se atreve a passar por lá tem sofrido ameaças.

"Eles não têm direito de fechar aquela estrada, era uma estrada que a turma entrava para ir no rio Aripuanã, aproveitar o final de semana. Agora a gente passa por lá, os seguranças vêm atrás, fazem gracinha, atirando para o alto", explicou o presidente da associação.

Os envolvidos

Advogados responsáveis pela defesa de Silval Barbosa afirmaram que não comentarão sobre o assunto. O ex-governador não tem mais contato social com Riva, por força de medidas restritivas impostas pela Justiça. Todas as informações sobre o caso estão disponibilizadas na delação premiada.

O advogado Paulo Taques, responsável pela defesa de Magali, relatou ao Gazeta Digital que a Fazenda Bauru está sob posse da empresa Floresta Viva. Ele destacou que sua cliente não tem ciência sobre a atuação recente de invasores ou possíveis seguranças contratados para reprimir posseiros. "Não sabemos se existe segurança de qualquer espécie, pois a posse da fazenda não é de minha cliente. Ela é proprietária", afirmou.

Uma ação de rescisão de contrato foi proposta por Magali contra a Floresta Viva, na figura de Janete Riva. Constam ainda como parte do quadro societário da empresa José Geraldo Riva Júnior, Janaina Greyce Riva e Jéssica Giovana Riva. Segundo os autos, em valores atualizados, a família Riva ainda deve aproximadamente R$ 20 milhões.

Mesmo com supostos comprovantes da falta de pagamento, decisão liminar do dia 17 de outubro de 2017 negou retirar a empresa Floresta Viva da Fazenda Bauru. Exame sobre o mérito do processo ainda é aguardado.

O ex-deputado José Riva explicou pessoalmente ao Gazeta Digital que já efetuou o pagamento de aproximadamente 80% do valor combinado em contrato. Ainda segundo o ex-político, a negativa de liminar na ação de rescisão prova que o que foi acordado está sendo cumprido. O restante do valor, cerca de 20%, ainda não foi quitado devido ao posicionamento adotado pelos advogados de Magali.

Sobre um possível conflito armado, Riva afirmou que contratou os serviços profissionais da empresa Unifort Segurança e Vigilância Patrimonial. Atualmente 12 vigilantes armados e duas viaturas supervisionam o território. Conforme cláusula contratual, é trabalho da Unifort "impedir a presença de elementos indesejáveis" na Fazenda Bauru.

Outra cláusula para prestação de serviço esclarece que é obrigação da Unifort manter "vigilantes do mais alto nível em sua classe, que não registrem antecedentes criminais, devidamente treinados, apropriadamente aparelhados e uniformizados para sua atividade".

Riva não descarta a atuação de antigos opositores políticos para propagação de informações sobre uma iminente chacina. O político, porém, considera as afirmações falsas.

 

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