Política
O agronegócio é o único que ainda tem gordura para queimar
Presidente da Assembleia, o deputado Eduardo Botelho diz que setor precisa ajudar o Estado a sair da crise.
O presidente da Assembleia Legislativa, deputado Eduardo Botelho (PSB), se posicionou a favor da taxação do agronegócio para que o Estado complemente sua arredação e consiga resolver os graves problemas de caixa, que refletem em dificuldades para atender à altura setores como Saúde e Infra-estrutura.
Em entrevista ao MidiaNews, o parlamentar apontou que o Estado deixou de arrecadar R$ 35 bilhões, em dez anos, após a implantação da Lei Kandir, que isentou a cobrança de ICMS das commodities agrícolas para exportação.
“A Secretaria de Fazenda constatou que em dez anos de instalação da Lei Kandir nós recebemos em torno de R$ 5 bilhões [de compensação pelas perdas]. Se nós estivéssemos cobrando esses impostos, teríamos recebido quase R$ 40 bilhões. Isso é um absurdo”, reclamou.
Conforme o parlamentar, o agronegócio é o único setor que “ainda tem gordura para queimar” e, dessa forma, ajudar o Estado a sair da crise.
“Eu acho que vai chegar num momento que não vai ter como não se discutir isso. A menos que ocorra algo diferente aí, e as coisas comecem a melhorar muito. Porque o comércio não tem mais gordura nenhuma, os empresários que são de outros ramos estão no limite. O agronegócio é o único que ainda tem gordura para queimar. Nós estamos em um momento que está faltando dinheiro para tudo. Na Saúde, na Educação. Será que não é o momento de ter uma contribuição maior?”, questionou.
Na entrevista, o deputado ainda falou sobre os projetos “bombas” do Governo que prevêem, entre outros, o congelamento dos salários dos servidores públicos e aumento do percentual de contribuição na previdência. Tais projetos serão enviados nas próximas semanas para a Assembleia Legislativa.
Confira os principais trechos da entrevista:
MidiaNews – A Assembleia Legislativa se prepara nas próximas semanas para enfrentar pautas bastante delicadas que serão enviadas pelo Governo. Entre elas, teto de gastos, reforma da Previdência, congelamento dos salários e congelamento do duodécimo dos Poderes. Qual é a expectativa para a tramitação desses projetos na Casa?
Eduardo Botelho – Nós estamos aqui na expectativa, esperando esses projetos. É uma discussão ruim para a Assembleia porque os projetos são polêmicos. Mas é necessária. Nós precisamos fazer esse enfrentamento. Não podemos mais fugir dessa discussão. O Estado está em uma situação em que as despesas vêm crescendo mais do que a receita. Por isso, é necessário tomar uma providência antes que chegue a um momento em que o Estado não consiga nem pagar mais salário.
MidiaNews – O que o senhor, como aliado do Governo do Estado, pode falar a respeito de cada um desses projetos?
Eduardo Botelho – A questão da Previdência [dos servidores estaduais], por exemplo, há um rombo de quase R$ 800 milhões. Esse déficit aumentou quase 50% em dois anos. E a perspectiva é que aumente mais ainda. Então, nós precisamos achar um ponto de equilíbrio. As pessoas estão vivendo mais, graças a Deus, e, por isso, o número de aposentados está maior, enquanto o número de contribuintes diminuiu. Então, nós precisamos achar um ponto de equilíbrio. E um dos pontos de equilíbrio é essa proposta de elevar de 11% para 14% a contribuição com a Previdência.
Outra proposta é a mudança de idade para aposentadoria. Antigamente, havia pessoas que se aposentavam com 44 anos. Mas o perfil do brasileiro mudou. Hoje as pessoas conseguem trabalhar mais, porque nós temos mais assistência médica, uma vida mais saudável.
Essas propostas são para que o Estado sempre tenha dinheiro para pagar os aposentados. Não adianta agora ficarmos de braços cruzados, e daqui alguns anos o Estado não ter dinheiro para pagar porque nós não fizemos nada.
MidiaNews – Com relação ao congelamento de salários, o que o senhor pode falar a respeito disso? Não tem escapatória também?
Eduardo Botelho – Eu não diria um congelamento de salário. Eu diria que é a reposição inflacionária. Agora o que é preciso é discutir a questão das progressões, o custo delas para o Estado está sendo maior que a RGA [Revisão Geral Anual].
MidiaNews – Com efeito retroativo?
Eduardo Botelho – Não. Nós não podemos retroagir. Tirar o direito que já foi concedido. Mas podemos paralisar e não conceder daqui para frente.
MidiaNews – Houve progressões aprovadas em lei que ainda não entraram em vigor. Seriam essas?
Eduardo Botelho – Sim. As que não entraram ainda em vigor nós podemos paralisar.
MidiaNews – O senhor poderia dar um exemplo de uma progressão dessa?
Eduardo Botelho – Eu não quero falar especificamente sobre categoria A ou B, porque vai parecer que estou contra alguma carreira.
Mas, por exemplo, tem carreiras em que o interstício [espaço de tempo] normal para a pessoa pular de um nível para outro é de 10 anos, e na lei cai para 4.
Tem casos que o servidor recebe R$ 12 mil com 8 anos e sobe para quase R$ 20 mil. São casos assim que precisam ser revistos.
MidiaNews - Esse é um ponto também que o Governo e Assembleia já estão praticamente definidos que terão que enfrentar?
Eduardo Botelho – Na verdade, o Governo não mostrou esse projeto para os deputados. Eu estou falando isso porque tenho conhecimento das leis, estudei sobre isso. Então eu sei o efeito financeiro disso para o Estado.
MidiaNews – E com relação ao projeto de teto de gastos?
Eduardo Botelho – A questão do teto de gastos é para verificar até onde o Estado pode gastar. Porque o custo vem aumentando e a receita, apesar de ter crescido, não foi na mesma proporção. Por isso é preciso criar esse teto para que haja uma limitação.
MidiaNews – E isso vai incluir o congelamento do duodécimo dos Poderes?
Eduardo Botelho – A discussão do duodécimo é outra lei. Seria através de uma PEC [Proposta de Emenda à Constituição]. A minha posição é que, no momento de dificuldade, nós temos que contribuir. E os Poderes eu entendo que estão todos dispostos a contribuir. Agora, nós precisamos criar também uma amarra para que, no momento em que as coisas melhorarem - e eu acredito que deva melhorar num horizonte próximo -, ele melhore para todo mundo. Porque se nós estamos dando a contribuição agora, não podemos ficar de fora depois que tudo melhorar.
MidiaNews – Como está a situação dos duodécimos em atrasos? Esses atrasos, inclusive, criaram um atrito entre o Parlamento e o Executivo.
Eduardo Botelho – Na verdade, está parado ainda. O Governo fez uma proposta de pagar em até oito vezes, mas parece que não vai ter condições de honrar esse compromisso. Então, nós estamos aguardando para discutir e até apresentar uma contraproposta para que seja acertado esse duodécimo atrasado.
MidiaNews – Qual é o valor do total do duodécimo atrasado?
Eduardo Botelho – Eu não sei o valor total, mas é algo em torno de R$ 400 milhões, mais ou menos.
MidiaNews – O senhor concorda com essa postura do Executivo de não fazer os repasses, mesmo que tenha todas as justificativas? O senhor acha plausível?
Eduardo Botelho – Eu acho que não passou porque não tinha condição. Mas tem que pagar. É necessário fazer um acordo. Quem quer ter crédito tem que honrar e pagar o que deve, sob pena de perder a credibilidade. Essa é a minha opinião sobre todos os negócios, não só relacionado a esse.
MidiaNews – Tem uma expectativa para a realização do pagamento?
Eduardo Botelho – Nós estamos aguardando. O Governo tem que reunir os Poderes e apresentar o que ele pode fazer e qual é a ideia deles.
MidiaNews – Em tese, a dificuldade do repasse se dá em função de um problema relacionado exclusivamente ao Executivo. Para o senhor, os outros Poderes estão sendo prejudicados por conta disso?
Eduardo Botelho – A verdade é a seguinte: o Executivo não fez seu dever ao longo de 20 anos. Isso aí não é de Pedro Taques. São coisas que vêm acumulando há muito tempo. Essas leis de carreiras, por exemplo. Elas foram feitas sem nenhuma análise. Tudo isso vem se acumulando há muitos anos, mas se agravou nos últimos cinco, porque houve esses excessos de lei que prejudicaram.
MidiaNews – O senhor acredita que tudo isso foi proposital?
Eduardo Botelho – Não vou fazer esse pré-julgamento porque não cabe a mim como presidente fazer isso. Mas a situação hoje do Governo está ruim não por conta especificamente dos últimos dois anos. E sim de coisas que já vêm acumulando e de leis que foram feitas lá atrás sem observar o horizonte que tinha pela frente. Talvez eles não previam que o Estado ia estar em crise. Talvez acharam que o País fosse continuar crescendo 5% ao ano.
MidiaNews – Nesses dois primeiros anos de Governo houve a sensibilidade, a percepção e a tomada de decisões para se minimizar esse efeito grave da crise?
Eduardo Botelho – Eu acho que estão sendo tomadas as providências, mas na minha opinião deveriam ter sido tomadas antes. Na verdade, o Governo ficou na expectativa para ver se teria uma melhora. Para ver se conseguia, por exemplo, pagar a RGA. Mas não tem essa saída mais. Tem que mexer mesmo. Ou mexe ou o Estado não vai pagar as contas de nada. Antes tarde do que nunca.
MidiaNews – Qual é a leitura do senhor em relação ao Estado de Mato Grosso diante dessa crise. O senhor acredita que o Estado está inviabilizado?
Eduardo Botelho - Não. O Estado não está inviabilizado. O Estado está em situações difíceis, mas é um Estado que tem potencial, que tem uma produção muito grande. É um dos únicos Estados em que a produção continuou em um ritmo acelerado e até aumentou.
Mas nós precisamos voltar a discutir a questão da taxação do agronegócio. Acredito que tem que haver um ponto de equilíbrio nisso.
Mato Grosso do Sul, por exemplo, fez uma divisão lá que 50% de tudo que se produz é exportado e os outros 50% ficam no mercado interno. Ou se o produtor exportar, tem que pagar imposto.
O que não pode é nós ficarmos responsáveis pelo superávit da balança comercial, sendo que não se paga nada de imposto. Mato Grosso está ficando sem receita porque toda a produção nossa paga pouco imposto. Isso, assim como essa questão do teto de gastos, tem que se discutir. Vai chegar um momento que não vai ter uma saída.
MidiaNews – O senhor tem alguma sugestão sobre como seria essa eventual taxação do agronegócio?
Eduardo Botelho – A minha solução é essa que foi feita em Mato Grosso do Sul: 50% livre para exportação, outros 50% para comercialização no mercado interno. Ou se quiser exportar que se pague o imposto.
MidiaNews – Desde que surgiu essa questão da taxação do agronegócio, o governador Pedro Taques tem se mostrado decidido a não fazer isso. O senhor acredita que ele, pelo menos, deveria admitir um debate?
Eduardo Botelho – O Governo entende que não se pode mexer no agronegócio, porque o Estado está produzindo muito, está ajudando o País, e que nessa cadeia não se pode mexer porque vai criar problemas. Essa é a posição do Governo. Temos que respeitar. Agora, eu acho que vai chegar num momento que não vai ter como não se discutir isso. A menos que ocorra algo diferente aí e as coisas comecem a melhorar muito. Porque o comércio não tem mais gordura nenhuma, os empresários que são de outros ramos estão no limite. Onde tem uma gordura é o agronegócio. Nós estamos em um momento que está faltando dinheiro para tudo. Na Saúde, na Educação. Será que não é o momento de ter uma contribuição maior?
Ou então, que o Governo Federal dê uma contribuição maior do FEX [Auxílio Financeiro para Fomento às Exportações]. Um estudo feito pela Secretaria de Fazenda constatou que em dez anos de instalação da Lei Kandir nós recebemos em torno de R$ 5 bilhões e se nós estivéssemos cobrando imposto nós teríamos recebido quase R$ 40 bilhões. Isso é um absurdo.
MidiaNews – O senhor, como presidente da Assembleia, não pretende abrir essa discussão?
Eduardo Botelho – Já estou puxando o assunto. Só de falar com vocês e vocês publicando, já é puxar a discussão. E eu tenho falado isso constantemente, tem alguns deputados aqui que são favoráveis. O deputado Wilson Santos, por exemplo, já tinha feito uma proposta dessa. O deputado Zé Carlos do Pátio também. Então, essa discussão já está no ar.
Página:
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